Para entender porque matam os índios
O caso da demarcação das terras
indígenas no Mato Grosso do Sul ou em qualquer outro estado do país não está
fora do contexto desse avanço e fortalecimento do agronegócio
06/06/2013
Elaine Tavares
No início do século XX, o Brasil
decidiu expandir suas fronteiras agrícolas, fortalecendo a sua posição de país
dependente, exportador de matérias primas. Era necessário então avançar pelo
interior, abrir caminhos para a pecuária e a agricultura. Aí entrou em cena o Marechal
Rondon, que sonhava com uma convivência pacífica entre índios e brancos:
"morrer sim, matar, jamais". Mas, esse legado de humanidade se perdeu
no tempo. "Pacificados," os indígenas chamados a se
"civilizar", a entrar no ritmo da sociedade branca, foram perdendo
sua identidade, suas raízes, sua cultura. Outros, renitentes, foram alojados em
reservas, como se fossem bichos exóticos, com suas terras diminuídas e
tutelados pelo estado. O território "pacificado" ganhou escrituras,
donos, cercas. E aos verdadeiros donos do território restou a nostalgia de um
tempo em que eles podiam viver à sua maneira. Agora, durante o mais novo ciclo
de desenvolvimento dependente brasileiro, que teve início no governo Lula, é
justamente essa dita fronteira agrícola que busca se expandir outra vez e, de
novo, às custas dos povos originários ou dos camponeses sem terra. Mas, quando
falamos em agricultura não está em questão aquela que produz comida para a mesa
dos brasileiros, e sim a de exportação, que na linguagem empresarial ganhou o
pomposo nome de agronegócio. Pois esse negócio (o agrobussines) representa mais
de 22% da riqueza total produzida no país, o que não é pouca coisa. Só a China
tem importado mais de 380 milhões de dólares em produtos agrícolas, bem como os
Estados Unidos que encosta nessa mesma cifra. Segundo informações do governo
federal (http://www.brasil.gov.br/sobre/economia/setores-da-economia/agronegocio - dados de 2011) , os produtos de maior
destaque que saem do país são as carnes (US$ 1,14 bilhão); os produtos
florestais (US$ 702 milhões); o complexo soja - grão, farelo e óleo (US$ 685
milhões); o café (US$ 605 milhões) e o complexo sucroalcooleiro - álcool e
açúcar (US$ 372 milhões). Nota-se que a maior parte da exportação diz respeito
a grãos (que no geral servem para alimentar animais) e madeira, dois legítimos
representantes da monocultura destruidora de terra. Cálculos do governo apontam
para o sucessivo crescimento da produção de grãos, principalmente a soja, que
tem aumentado a área plantada em 2,3% ao ano. Não é por acaso, então, que o
Mato Grosso do Sul seja o principal foco de disputa de terra e de violência
contra os indígenas. É justamente a região centro-oeste a responsável por 45%
da produção de soja. E é lá também onde existe uma grande parcela do povo
autóctone, esperando demarcação de suas terras. A partir do ano de 2003 outra
fronteira começou a se alargar na plantação de soja, atualmente outro espaço de
violentas disputas, a da região da caatinga e a parte nordestina da Amazônia.
Também não é sem razão que o governo esteja levando adiante obras gigantescas
como as Hidrelétricas na Amazônia e a transposição do Rio São Francisco. Tudo
isso é para atender a demanda dessas plantações. E é sempre bom frisar: não é
comida para o povo, é produto de exportação. Vai para fora do país. Não
bastassem os projeto mirabolantes para beneficiar o agronegócio, o governo
também disponibiliza, através do Plano Safra, crédito a juros abaixo do
mercado. Ou seja, os mais ricos pagam menos pelos empréstimos, enquanto os
pequenos, que plantam a comida que vai para a mesa da população, amargam juros
altos e falta de apoio. Também está em andamento o Plano Estratégico do Setor
Sucroalcooleiro, que visa ampliar a área de cana-de-açúcar para a produção do
etanol. mais uma vez, não é comida o que essa gente produz. A lógica é a de
sempre: garantir rentabilidade para poucos donos de terra, reforçar o sistema
agroexportador, apoiar a ação de multinacionais predadoras, e seguir o caminho
de dependência econômica, já que produtos agrícolas de baixo valor agregado
tornam a economia bastante vulnerável. Mas, ao que parece isso não importa. O
que vale é seguir investindo nos grandes produtores para manter a balança em
superávit, mesmo que isso precise custar soberania, destruição ambiental e
morte daqueles que ousam "atrapalhar" o esquema. Assim, na mesma
semana em que indígenas são assassinados no Mato Grosso do Sul, o governo
anuncia mais um pacote de 136 bilhões de reais para a agricultura empresarial (o agronegócio). É a completa
rendição. O caso da demarcação das
terras indígenas no Mato Grosso do Sul ou em qualquer outro estado do país não
está fora do contexto desse avanço e fortalecimento do agronegócio. Os
fazendeiros querem mais terras e não estão dispostos a permitir que seres que
eles consideram "inúteis" vivam sua cultura de equilíbrio ambiental e
desenvolvimento fora do ritmo capitalista. Para aqueles que apenas conseguem
enxergar os números da bolsa de Nova Iorque, a população indígena é um entrave
que precisa ser retirado do caminho a qualquer custo. Para isso contratam
jagunços e mandam bala. Fazem ouvidos moucos ao clamor que se levanta.
Ajudados pela mídia comercial,
dominada pela elite que verdadeiramente governa o país, esses empresários
rurais conseguem também entrar na cabeça das gentes, fertilizando um discurso
racista, preconceituoso e violento. Pessoas simples, trabalhadores, gente que
deveria ser solidária aos indígenas na sua luta pelo direito de viverem em suas
terras, acabam reproduzindo o mantra diariamente veiculado na televisão: que os
índios são vagabundos, que não querem trabalhar, que não precisam de terra, que
vão vender os terrenos, que vão explorar a madeira, e assim por diante.
"Compram" a mentira diuturnamente produzida e tornam-se cúmplices de
mais um massacre da população originária, verdadeira dona desse lugar. Não
bastasse isso o governo federal se curva aos interesses da classe dominante e
emprega a força bruta para atacar manifestações legítimas dos povos indígenas e
das gentes que apoiam a causa originária. O conflito que temos visto se
explicitar nas estradas do Mato Grosso do Sul, na Amazônia e até aqui, no Morro
dos Cavalos, nada mais é do que a luta de classe, típica do capitalismo. De um
lado, o latifúndio defendendo seus interesses, do outro, os explorados,
buscando vida digna. E, no meio disso tudo uma nação alienada pela constante
deformação informativa da mídia comercial que transforma em inimigo aqueles que
são as vítimas do sistema. A saída para esse imbróglio é a luta mesma. Nada
será concedido pelo governo, que já se ajoelhou diante do agronegócio. Agora, o
desafio é tirar o véu do conflito, escancarar as causas, abrir os olhos dos
entorpecidos pela mídia. E isso, sabemos, é coisa difícil demais. Mas, também
não é coisa que deva nos imobilizar. Pelo contrário. Nessa hora em que os
irmãos indígenas enfrentam as balas e a morte, é preciso apoio concreto e
efetivo. O bom mesmo seria que as gentes saíssem para a rua em solidariedade à
luta indígena. Enquanto isso não acontece vamos fazendo o trabalho de formiga,
levando outra informação, para que as cabeças possam compreender o direito dos
indígenas.
Não é possível que os sindicatos e os
movimentos sociais não se levantem em apoio. Não é possível que as gentes
brasileiras não se co/movam com o drama de uma gente que perdeu tudo o que era
seu e que hoje vive confinada em reservas. O que fizeram para serem
prisioneiros do estado e da sociedade? Que crime cometeram além de estarem
aqui, criando suas famílias, quando os invasores chegaram? Por que precisam
pagar pelo fato de existirem e quererem seguir vivendo sua cultura?
O que farias tu se alguém chegasse na
tua casa e te arrancasse dali sob o pretexto de que é preciso passar por ali o
progresso - mas não de todos, apenas de alguns? Porque o direito do agronegócio
é maior do que o de uma comunidade inteira?
Essas são perguntas que não querem e
não podem calar. Todo apoio aos irmãos indígenas!
Elaine Tavares é jornalista.
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